“Portal da Memória”: livro sobre a obra de Jorge dos Anjos ressalta o resgate às raízes afro-brasileiras e a manutenção do patrimônio de BH
Criada para proteger a imagem de Iemanjá na Lagoa da Pampulha, escultura de ferro traz reflexões sobre patrimônio, diáspora, religiosidade, liberdade e formação social; lançamento do livro acontece nesta sexta-feira e neste sábado, dias 2 e 3 de junho, respectivamente no Centro Cultural da UFMG e na Casa do Baile, em seminários com o artista e as autoras
A famosa escultura de Iemanjá localizada na Lagoa da Pampulha desde 1982 sofreu muita depredação ao longo dos anos. Em 2007, o “Portal da Memória”, obra do artista mineiro Jorge dos Anjos, resolveu o problema, ao proteger com uma moldura de ferro a escultura de Iemanjá, ao mesmo tempo em que abriu uma multiplicidade de reflexões sobre a história da cultura de raízes africanas que permeiam a formação de toda a capital mineira. Em uma homenagem a esse processo e à trajetória do importante artista ouro-pretano, o livro “Portal da Memória: A poética construtiva de Jorge dos Anjos na paisagem da cidade” será lançado nesta sexta-feira e neste sábado, dias 2 e 3 de junho, respectivamente, no Centro Cultural da UFMG (das 18h30 às 20h) e na Casa do Baile (das 11h às 12h). Durante os seminários, que têm entrada gratuita e contarão com mesas e debates, serão distribuídos exemplares da publicação.
Jorge dos Anjos tem muitas obras que reverenciam a cultura afro-brasileira e conversam com os espaços públicos de Belo Horizonte, mas certamente “Portal da Memória” pode ser considerada sua criação mais emblemática na cidade. A imensa escultura de ferro oxidado, marcada por desenhos de símbolos religiosos das matrizes afro-brasileiras, não apenas protege a estátua de bronze de Iemanjá — removida para um pedestal sob a água, evitando o contato do público com a peça, após a instalação do portal na orla — mas apresenta literalmente um convite para reparar outros belos horizontes, neste caso, construídos a partir de um enquadramento de ferro, rígido, de presença imponente, que pode simbolizar o olhar da população negra e suas vivências, lembranças e culturas não raras as vezes amordaçadas e negadas.
Por isso, a Pampulha é tão simbólica. Criada para ser o cartão postal da modernidade de Belo Horizonte na década de 1940, com obras de Oscar Niemeyer e jardins de Burle Marx, a orla da Lagoa da Pampulha, cercada pela Casa do Baile e pelo Iate Tênis Clube, durante muito tempo se manteve como espaço restrito à elite e, consequentemente, negado às pessoas pretas. Nesse sentido, “Portal da Memória” foi criada como uma espécie de reparação histórica simbólica e uma lembrança viva aos visitantes de que a cidade e suas belezas não estão determinadas pelo estereótipo burguês do homem branco, ao contrário, são essencialmente resultado da multiplicidade de seu povo, incluindo uma população escravizada por mais de três séculos da história e empurrada para a margem das periferias brasileiras na chamada “modernidade democrática”.
É contra o apagamento do passado da população preta e o silenciamento contemporâneo das raízes afro-brasileiras que a obra de Jorge dos Anjos ganha força e sentido concreto. “O ‘Portal da Memória’ é uma das esculturas mais significativas que tenho em BH, em um lugar importante, a Lagoa da Pampulha, em diálogo essencial com a água. Na África, antes de entrar no navio negreiro, costumavam vedar os escravos e andavam em círculo com eles envolta de uma árvore, que era chamada árvore do esquecimento. Nesse sentido, nessa obra, a água é memória. É como se, ao atravessar o portal, você fosse se lembrando da sua história, sua existência, é uma maneira simbólica de afirmar isso”, explica o artista. “Desenvolvo meu trabalho pensando nas raízes africanas. E sei que a minha arte, a escultura, acaba sendo consumida por pessoas mais ricas. Por isso, é importante a obra estar em um espaço público, de acesso a todos. Acredito que o lugar público é a vocação da escultura”, complementa Jorge.
EVENTOS DE LANÇAMENTO DO LIVRO “PORTAL DA MEMÓRIA: A POÉTICA CONSTRUTIVA DE JORGE DOS ANJOS NA PAISAGEM DA CIDADE”
1º Seminário – Mesa com Regina Helena Alves da Silva, Rita Lages Rodrigues, Maria Tereza Dantas Moura, Carolina Ruoso e Jorge dos Anjos
Quando. Sexta-feira, 2 de junho, das 18h30 às 20h
Onde. Centro Cultural UFMG (Avenida Santos Dumont, 174 – Centro)
Quanto. Entrada franca
2º Seminário – Mesa com Rita Lages Rodrigues, Maria Tereza Dantas Moura, Carolina Ruoso e Jorge dos Anjos
Quando. Sábado, 3 de junho, das 11h às 12h
Onde. Casa do Baile – Centro de Referência de Arquitetura, Urbanismo e Design
(Avenida Otacílio Negrão de Lima, 751 – Pampulha)
Quanto. Entrada franca
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