Ópera “Nabucco” retorna ao Palácio das Artes após mais de uma década – 17, 19, 21 e 23/10

 Nova encenação da obra-prima de Giuseppe Verdi tem direção musical e regência de Ligia Amadio, com concepção e direção cênica a cargo de André Heller-Lopes e participação do Coral Lírico e da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais; grandes nomes do canto erudito compõem o elenco

O horror e o inominável inspiram a beleza? Guerras, revoluções, destruição, violência, morte e o crime mais hediondo – a escravidão do homem pelo homem – sempre inspiraram obras-primas, em todas as artes. Impecável e mais recente exemplo é a nova ópera da Fundação Clóvis Salgado (FCS), no Palácio das Artes: “Nabucco” (1842), do compositor italiano Giuseppe Verdi (1813-1901). Depois de uma primeira montagem em 2011 – que encantou mais de 10 mil pessoas, em seis récitas e dois ensaios –, a nova produção retorna a Belo Horizonte. Desta vez, a ópera teve antes uma apresentação especial em um dos principais pontos turísticos, culturais e religiosos de Minas Gerais.

“Nabucco” foi encenada no início dessa semana, em versão reduzida, na Serra da Piedade, em Caeté. A pré-estreia, com a participação do Coral Lírico de Minas Gerais (CLMG), de seu pianista Fred Natalino, da flautista Nara Franca (da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais) e dos solistas Rodrigo Esteves, Eiko Senda, Denise de Freitas, Sávio Sperandio, Giovanni Tristacci e Cristiano Rocha, teve regência da maestra Ligia Amadio e direção cênica a cargo de André Heller-Lopes, ambos também responsáveis pela temporada no Palácio das Artes. Realizada dentro da Basílica da Piedade – Ermida da Padroeira de Minas, com narração de Cláudia Malta (diretora artística da FCS) e telões do lado de fora, a récita emocionou o público. Agora, “Nabucco” estreia na íntegra, no Palácio das Artes, com grande elenco e os corpos artísticos completos. As récitas acontecem dias 17, 19, 21 e 23 de outubro, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes. Os ingressos estão esgotados para todas as sessões.

Como outras inusitadas e originais pré-estreias das óperas da FCS, a Serra da Piedade foi escolhida, segundo o secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, por abrigar “a venerada padroeira de Minas Gerais em nosso Monte Sião. Lá, onde a terra toca o céu e as montanhas guardam séculos de fé, cultura e história, nos reunimos para uma jornada pela grandiosidade da música e da espiritualidade”.

Ainda segundo Leônidas Oliveira, “no Antigo Testamento, o Monte Sião se ergue como símbolo do encontro divino, o lugar onde a graça e a misericórdia de Deus se manifestam. Na Serra da Piedade, emoldurada pela beleza natural e pela devoção que há séculos aqui floresce, encontramos o Monte Sião mineiro, espaço onde a natureza e o espírito humano se encontram em perfeita harmonia. A ópera ‘Nabucco’ nos transporta à antiga Babilônia, retratando o drama do povo de Israel sob a perseguição de Nabucodonosor. Monte Sião e Babilônia se entrelaçam na história humana, conectados pela dor da conquista e pela esperança indestrutível de um futuro melhor. Nas alturas da Serra da Piedade foi amplificada a mensagem de resistência, fé e redenção”.

Mas por que “Nabucco” numa hora dessas? Porque Liberdade sempre, ainda que tardia. Além de um clássico do repertório internacional e uma das óperas mais executadas em todos os tempos, “Nabucco”, 182 anos depois da estreia, tratando a escravidão nos tempos bíblicos, continua atual. A escravidão continua sendo o maior crime contra a Humanidade ainda presente em vários países ao redor do mundo, inclusive no Brasil.

A ópera “Nabucco” é realizada pelo Ministério da Cultura, Governo de Minas Gerais, Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Fundação Clóvis Salgado e Instituto Unimed-BH. A ação é viabilizada por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, cujo slogan é “Governo Federal, Brasil: União e Reconstrução”. As atividades da Fundação Clóvis Salgado têm a Cemig como mantenedora, Patrocínio Master do Instituto Cultural Vale, Patrocínio Prime do Instituto Unimed-BH e da ArcelorMittal, Patrocínio da Vivo e correalização da APPA – Cultura & Patrimônio.

O Palácio das Artes integra o Circuito Liberdade, que reúne 35 equipamentos com as mais variadas formas de manifestação de arte e cultura em transversalidade com o turismo.

Junção de talentos – Originalmente, “Nabucco” é uma ópera em quatro atos, de Verdi, com libreto de Temistocle Solera, baseado em Nabucodonosor (1836), drama de Auguste Anicet-Bourgeois e Francis Cornu, apresentada dia 9 de março de 1842, no Teatro La Scala, de Milão, na Itália. Para o presidente da Fundação Clóvis Salgado, Sérgio Rodrigo Reis, “‘Nabucco’ traz de volta à cena um dos principais espetáculos operísticos da História e também uma das maiores e mais exitosas montagens da Fundação Clóvis Salgado. A opção por ‘Nabucco’ resgata este grito de Liberdade pela qual tanto precisamos lutar a cada dia da nossa existência. Por isso, a atualidade de ‘Nabucco’, um convite à reflexão sobre nosso tempo e também uma maravilhosa produção da FCS”.

Nabucodonosor é muito mais que um “trava-línguas”. Nabucodonosor II, rei da Babilônia (605-562 a.C.), filho de Nabopolassar, conquistou a Palestina, tomou Jerusalém em 586, deportou e escravizou os hebreus na Babilônia. Fez executar, com trabalhos forçados, importantes construções, sendo, a mais famosa e uma das Sete Maravilhas do Mundo, os Jardins Suspensos da Babilônia. Guerreiro herói para seu povo, cruel algoz para os conquistados. “Acho maravilhoso e muito importante rever esse título tão popular e emblemático de Verdi. Suas óperas enriquecem a Arte, em especial o repertório do Palácio das Artes. Nesta nova temporada teremos praticamente o mesmo elenco de 2011, introduzindo Giovanni Tristacci e Denise de Freitas que, ao lado de Eiko Senda e Rodrigo Esteves, estarão nos papéis principais. Se a Liberdade tivesse um perfume e um sabor, o nome deles seria ‘Nabucco'”, reforça o convite a diretora artística da FCS e diretora geral de montagem, Cláudia Malta.

À época da estreia, estando a Itália sob ocupação austríaca, a população milanesa identificou-se com o episódio da escravidão dos hebreus na Babilônia. Principalmente no célebre “Coro dos Escravos Hebreus”, no terceiro ato (Va, pensiero, sull’alli dorate / “Vai, pensamento, sobre asas douradas”), espécie de música-símbolo do nacionalismo italiano. Um hino à liberdade que, por diversas vezes, foi proposto como Hino Nacional da Itália. Para Giuseppe Verdi e o público que descobria suas óperas, em uma Itália pronta a se inflamar com a mínima faísca patriótica, “Nabucco” é a ópera pela qual tudo acontece: primeiro triunfo popular, primeiro “toque de mestre”, primeira prova de que a ópera romântica italiana não aconteceria sem o jovem e temperamental Verdi, quase um desconhecido.

O espetáculo tem direção musical e regência de Ligia Amadio, concepção e direção cênica de André Heller-Lopes, cenários de Renato Theobaldo, figurinos de Marcelo Marques, design de luz de Fábio Retti e direção geral de Cláudia Malta. O diretor cênico, André Heller-Lopes, relembra: “Depois de levar essa premiada produção de Minas para o Rio de Janeiro e Lisboa, Portugal – um feito para a ópera brasileira – ‘Nabucco’ volta à casa. Para mim, é uma fonte especial de felicidade poder renovar essa parceria com a direção artística e voltar ao Palácio das Artes (onde, além de ‘Nabucco’, tenho lindas memórias de espetáculos como ‘Rigoletto’, ‘Andrea Chénier” ou ‘Lucia di Lammermoor’). O momento é especialmente oportuno para falar de intolerância, fé e perseguição religiosa. Nada mais atual do que a perseguição sofrida pelo povo judeu nos tempos bíblicos; um alerta para as ameaças a que todos estamos sujeitos num mundo contemporâneo, muitas vezes pouco humano”.

Verdi expõe seus personagens, sob tons marciais de uma orquestra que viaja em melodias imortais, tradução da ardente inspiração e de uma sensibilidade à flor da pele tendo, como pano de fundo, uma Itália que escrevia sua história, unificando-se. Uma curiosidade! Com “Nabucco”, Verdi torna-se símbolo da revolução italiana conduzida por Giuseppe Garibaldi (1807-1882), quando surgem as inscrições, “VIVA VERDI”, alusão a “Viva Victor Emmanuel Rei Da Itália” ou V.E.R.D.I.

“Reger ‘Nabucco’ é voltar às minhas origens paternas, de imigrantes italianos”, relembra também a maestra Ligia Amadio, responsável pela direção musical e regência do espetáculo. “Vívidas em minha memória estão as melodias do Coro que inicia o terceiro ato da ópera, ‘A profecia’, pois meus pais a cantavam no coro do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, onde eu e meus irmãos estudávamos. O famoso ‘Va pensiero’, também conhecido como ‘Coro dos Escravos Hebreus’, era parte de nosso repertório. Só anos mais tarde vim a conhecer as razões pelas quais a ópera e o coro, em especial, alcançaram uma conotação patriótica tão importante. Verdi morreu aos 87 anos sendo muito mais do que o grande compositor de 26 aclamadas óperas: amado e admirado por seus compatriotas, havia se tornado uma espécie de herói nacional, ao se destacar no processo de reunificação política italiana. Seu testamento pedia um funeral discreto e foi respeitado, quando o esquife chegou à uma sepultura provisória. Um mês depois, entretanto, quando seus restos foram transladados ao mausoléu da ‘Casa di Riposo’ que Verdi fizera construir em Milão, a cidade literalmente parou. O cortejo foi integrado por membros da família real italiana, por dignitários, diplomatas, políticos e compositores (Puccini, Mascagni e Leoncavallo, entre outros), além de cerca de 28 mil pessoas que acompanhavam o caixão. As vozes dessa multidão se mesclavam às do imenso coro que, regido por Arturo Toscanini, interpretava ‘Va, Pensiero’, o conhecido coro de ‘Nabucco'”.

O fato de Verdi ser um compositor engajado quando “Nabucco” estreou pode ser contestado. Segundo o historiador francês, Pierre Milza (1932-2018), “se ‘Nabucco’ é a primeira ópera patriótica de Verdi, nem o público e o próprio compositor tinham consciência imediata da mensagem revolucionária: em 1842, raros são os que militam a causa liberal e nacional. Apenas em 1846, em Bolonha, as primeiras manifestações patrióticas surgiriam”.

Porém, “quando a lenda é maior que o fato, publique-se a lenda”.

Finalmente, apesar do fracasso das primeiras óperas e de tantas tragédias na vida pessoal, como a morte de seus dois filhos e de sua jovem esposa, a sorte – “fortuna”, em italiano – através do talento e da grande arte, estava no nome de Giuseppe Fortunino Francesco Verdi. Sorte também de todos os espectadores no Palácio das Artes.