Seminário destaca o papel da preservação da memória na luta em Brumadinho

Intitulado “Memórias do Irreparável: 6 Anos do Rompimento”, seminário acontece no Teatro Municipal de Brumadinho (Quadra de Esportes), das 8h às 17h, com familiares de vítimas da tragédia-crime e de convidados como a jornalista Daniela Arbex

Nesta quinta-feira, dia 23 de janeiro, Brumadinho sedia o seminário “Memórias do Irreparável: 6 Anos do Rompimento”, que destaca a importância da preservação da memória na luta por justiça. Realizado pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM), o evento integra uma série de ações que acontecem esta semana na cidade mineira, em homenagem e honra às 272 vítimas da tragédia-crime da Vale, ocorrida em 25 de janeiro de 2019. Com entrada gratuita, o seminário vai das 8h às 17h, no Teatro Municipal de Brumadinho (Quadra de Esportes), e contará com a presença de familiares de vítimas, de convidados de diferentes áreas e de profissionais envolvidos no apoio à comunidade de Brumadinho ao longo desses seis anos.

Integrante da diretoria da AVABRUM, Kenya Paiva Lamounier, que perdeu o marido Adriano Aguiar Lamounier, de 54 anos, ressalta que a escolha da memória como norte temático também reforça o compromisso da Associação para com o não esquecimento da tragédia-crime e a verdade sobre os fatos. “Este ano a memória será o tema central do seminário. Vamos fazer uma caminhada pelas vivências desse crime e de outros, trazendo relatos e histórias nas quais a realidade seja realmente estampada, e não distorcida ou calada. Vemos no nosso país que as grandes tragédias e crimes muitas vezes viram banalidades. Muitas vezes são contadas por aqueles que tentam fazer apagamento dos fatos. Não queremos isso para Brumadinho”, diz Kenya.

Não é à toa que, para 2025, o lema adotado pela AVABRUM é “Memória Irreparável – Uma Tragédia que Rompeu Histórias Não Será Esquecida”. “Tentamos mostrar que as pessoas e os momentos são insubstituíveis. Estamos cansados e até ofendidos com o termo ‘reparação’. Como reparar uma morte? Qual o preço de uma vida? Para nós, familiares, o que ficou são histórias de vida, são as vivências e convivências daqueles que a Vale matou. As memórias são nossas relíquias. Elas não podem ser precificadas, não podem ser reparadas”, avalia a diretora.

Programação

Após a abertura institucional do seminário, será realizado, entre 9h20 e 12h, o primeiro painel, intitulado “Direito à Verdade e à Memória”, com mediação de Kenya Paiva Lamounier. Entre os convidados, estão a jornalista e escritora Daniela Arbex, autora do livro “Arrastados: Os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho, o maior desastre humanitário do Brasil”; e os jornalistas Lucas Ragazzi e Murilo Rocha, autores do livro “Brumadinho: a engenharia de um crime”. O painel ainda conta com Fabiola Moulin, que falará sobre o papel cultural e educacional do Memorial de Brumadinho na construção de uma memória coletiva; e Ana Vitória Alkmin, que abordará os perigos do discurso de apagamento da memória coletiva.

Já na parte da tarde, das 13h30 às 16h10, acontece o segundo painel, “Memórias de Resistência e Luta por Justiça”, mediado por Edi Tavares, integrante da diretoria da AVABRUM. Participam Elisangela Boggione, que reflete sobre como as mulheres de Brumadinho têm sido fundamentais para manter viva a memória do rompimento; Flávio Silva, que compartilha a experiência da tragédia da “Boate Kiss”, em Santa Maria (RS), colocando em destaque a luta por reconhecimento, memória e responsabilização; Fernando Tuna, que traz a experiência de Macacos no enfrentamento à exclusão em processos de indenização e acordos; e Dr. Luciano Pereira, que aborda os desafios jurídicos e avanços da luta por reparação da AVABRUM.

Autora de livros que abordam outras tragédias-crime brasileiras – como o próprio incêndio da “Boate Kiss” e as atrocidades manicomiais de Barbacena –, Daniela Arbex afirma que o caso de Brumadinho a impressionou pela forma como as pessoas não eram capazes de processar o tamanho da dor que viviam à época do rompimento. “Elas estavam completamente perdidas dentro da sua dor, já que não podiam iniciar sequer seu processo de luto. Estavam com medo”, relembra. “O que me fez escrever o livro foi um pedido de socorro, da família de Isabela Barroso Câmara Pinto, que era engenheira da Vale. Eles me escreveram no dia rompimento, quando ela já era considerada desaparecida. Senti-me completamente impotente, pois não podia fazer nada naquele momento. Então, assumi um compromisso com a Isabela, que se um dia eu fosse contar a história, a primeira história seria a dela. E foi isso que eu fiz”. 

Arbex faz coro ao lema escolhido pela AVABRUM em 2025. “De fato, não há reparação para a morte de um ente querido. E pedir superação é total falta de empatia com a dor do outro. Então, é preciso que haja um reconhecimento público da dor permanente causada a essas famílias pela Vale. A gente precisa continuar dizendo que essa ausência é motivo de dor permanente para essas famílias que foram, também, devastadas. Nada mais importante que construir memória sobre o que aconteceu no dia 25 de janeiro de 2019. Não só para que não se repita, mas para que a gente não se esqueça da história. O silêncio só favorece os autores de um crime”, afirma a jornalista. “Eu acho que o seminário é um movimento de resistência ao esquecimento, à não aceitação da violência que foi cometida”.

“Memória Irreparável”

Até o próximo sábado, dia 25 de janeiro, a AVABRUM promove outras atividades que marcam os seis anos da tragédia-crime da Vale em Brumadinho. A programação inclui uma carreta pelas ruas, com apresentação musical na chegada, na sexta-feira, dia 24; o tradicional ato de resistência realizado anualmente e a aguardada inauguração do Memorial Brumadinho, no sábado, dia 25. Todas as ações deste ano acontecem em Brumadinho, epicentro da tragédia-crime, e são gratuitas e abertas ao público em geral, com exceção da inauguração do Memorial Brumadinho, evento para familiares, autoridades e convidados.

Para a presidente da AVABRUM, Nayara Porto, que também perdeu o marido Everton Lopes Ferreira, de 32 anos, a semana de homenagens é um alerta à sociedade para a não repetição da tragédia-crime. As ações, portanto, lembram a população que o rompimento da Mina Córrego do Feijão “não foi um acidente, mas um ato de irresponsabilidade que transformou para sempre a vida de centenas de famílias”. “A AVABRUM é sinônimo de perseverança, luta e assim serão os nossos dias até a gente ver a justiça acontecer. E, depois disso, continuaremos lutando para preservar a memória dos nossos e para que crimes como esse jamais aconteçam novamente”, diz Nayara.

AVABRUM

Em agosto de 2019, como uma reação dos familiares à brutalidade da tragédia-crime da barragem da mineradora Vale, que matou 272 pessoas em poucos minutos, no dia 25 de janeiro de 2019, nascia a Associação de Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão – Brumadinho, em Minas Gerais.

Mães e pais, viúvas e viúvos, irmãs e irmãos, filhos e filhas de vítimas fatais se uniram por causa de uma dor incomensurável, mas também, e principalmente, pelo amor pelos seus entes queridos engolidos por um mar de lama que não lhes deu chance de fuga. As vítimas, hoje, são chamadas carinhosamente de joias.

Seminário “Memórias do Irreparável: 6 Anos do Rompimento” Quando.  Quinta-feira (23/1), das 8h às 17h

Onde. Teatro Municipal de Brumadinho (Quadra de Esportes)

Rua Itaguá, 1.000 – Bairro Progresso

Quanto. Entrada gratuita e aberta ao público